tu disseste que não interessa e eu encolhi os ombros, concordei, e fitei-te "olha lá, tens a certeza?" e tu começaste com aquele discurso sobre a eternidade, aquela tranquila eternidade de abraços, agarrados à morte, sem romper o frágil, o ténue arrepio que nos rasga o peito, envoltos na mortalha velha, disseste "o tempo não espera por nós" de olhos arregalados, grave, lá do alto do teu sacramento, e gesticulavas sobeja, como se te saissem dos lábios a música divina, música dos anjos, daqueles sem sexo, anafados e rosados. "onde é que ficamos" perguntei, viraste costas, e apontaste, primeiro o braço esticado e depois o dedo, para norte, "ali" sublime. não sei quantas vidas fiquei ali detido, a olhar para ti, em estado de consolo, numa qualquer espera ou marcha matrimonial, sagrada.
o vento soprava forte, e conseguia ver os teus seios rodopiar, ali à solta, assim. murmuravas palavras de esperança para passar o tempo, "é muito longe" cuspia eu, mal educado como sempre, e tu "não", seco, "mas olha, tens a certeza que é por aqui", nem te dignavas com uma resposta e continuavas a tilintar as duas moedas de ouro na mão, espalhando o teu perfume inebriante pelo vale, em passos seguros, contornando as crateras da minha língua.
"é ali" e estacaste, "toma, entrega-as e vai". desci até à margem e saltei para o cais, estava com os pés em farrapos, dei as moedas ao barqueiro e segui viagem.
J
duas moedas
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