inverno do mundo
as ideias que rebentam no limite do abismo,
fogos-fátuos que iluminam a verdade remediada,
na penumbra do dia o esgar de um sorriso que sopra ventos de tempestade,
que dançam pelo sumptuoso, desejo incrível, a morte suculenta.
J
demência
sonhava um dia poder levantar com orgulho a cabeça, em direcção ao sol que nascia no horizonte, rodeado pela imaginação que nunca me tinha falhado, embarcado nas vagas naufragadas de homens destroçados, restos das suas sombras e guerras, no amanhecer de uma nova vida que me abraçava forte, quente, bafejado pelos raios de luz que abriam os olhos semicerrados pela escuridão.
sonhava um dia ser quem querias que eu fosse.
sonhava um dia criar coisas com as mãos, pegar no barro húmido e dar-lhe forma, moldá-lo nas loucas ideias que me escorrem pelas frestas das guelras, em homem tubarão ou lobo solitário, longe de casa, perdido nas memórias do futuro certo, já gasto de tão calculado, destruído nas vagas sílabas que arrancava a cada soco, pancada seca na verdade cuspida em sangue, lobisomem ancião.
sonhava um dia poder rapar o cabelo da cabeça com a ponta dos dedos cravados na carne.
sonhava um dia crescer, perder a inocência frágil que abençoa a brisa fresca da primavera, naquela quinta onde cresci, rodeado de pântanos e galeões de piratas, distraído das palavras que me ecoavam rápidas sem vontade, apenas um destino, não havia que justificar, apenas fazer. mergulhar na lama de sorriso na cara, crente na fé humana, aquele ardor que nos vem de dentro quando sabemos que algo está certo, não há como negá-lo, não há possíveis nem impossíveis, apenas há o tempo que serve para gastarmos gulosos.
sonhava um dia poder morrer com todas as dívidas pagas.
sonhava um dia subjugar a vontade, dobrá-la, chamá-la à atenção da virtude, à carne fétida que explode em bolhas de pus, envaidecida que está pelas vozes na minha cabeça, sabes. sei o que está do outro lado e não quero trepar o muro se posso continuar a ser rei do meu castelo. alegre e feliz. alegre, feliz. não me lembrava de como era, da raiva de não conseguir estalar os dedos, ser dependente das sombras que nem se lembram do meu nome, escolhido ao acaso para liderar a marcha solene do leve caixão que segue vazio com vinte-e-nove cavalos negros que o escoltam atrás.
sonhava um dia poder conversar com o meu esqueleto, contar-lhe piadas e assim.
sonhava um dia, sonhava um dia poder tocar-te, dizer-te baixinho ao ouvido "consegues ouvir a voz que me cega? consegues ouvi-la? diz-me, consegues?", e mostrar-te o mundo, arrancar os olhos das órbitas e dar-tos, mostrar-te o meu mundo, e crescem-me as unhas, esgota-se a pele das paredes da casa, e sobejam orgãos - rins, fígado, o pâncreas guardo para mim, coração - sobejam em pestilência uníssona junto à lareira, perto do copo de vinho quente, com o estranho gengibre que me mancha os dentes, ah... a doce cicuta.
sonhava um dia poder dormir embalado nos teus braços de celofane.
a vida que deixa de ser controlada, cronometrada ao segundo, que deixa de ser minha, vertigo brusco pelas entranhas da morte que me busca apenas mais uma vez.
J
teodolito
rasgar-te a boca e arrancar-te cada mentira que te apodrece os dentes, uma a uma,
desligados do caos que ousa perturbar os sonhos dos gigantes adormecidos,
surpreendidos pelas vozes, irão levantar-se para esmagar todos os opositores,
tombando os vultos que te cercam do passado,
aqueles que se escondem nas brincadeiras que nada mudam,
não há maneira de regressarmos aos casulos que nos protegiam da centelha cósmica impregnada pela dor caustica dos meus olhos.
poderia arranjar maneiras de viver com a dor,
lutando contra as marés que vazam as sementes das minhas mãos,
como os gafanhotos que dizimam as novas colheitas da primavera,
resistindo à maneira como posas com a navalha perto do pescoço,
uma graça, o sorriso de menina leve
- navegas pelas estrelas!
e consegues afundar-me as veias em estranhos dias de suór.
queria tocar as tuas vinte-e-nove faces.
consegues sentir a fresca tinta que tinge as paredes de vermelho,
aquele cheiro asfixiante da resina dos meus braços secos,
enrolados no sexo virgem de uma prostituta com vinte-e-nove braços,
e sentir a fresca tinta que tinge os meus olhos de purpura?
lembras-me o fastio que é lamber as farpas que se prendem na carne.
escolho a solidão estável, o saber que se morre apenas,
agarrado à vontade de existir inocuamente,
na criação celestial dos astros que me cercam o esqueleto,
aqui, enterrado na derradeira mortalha,
um vago sorriso sem sal, de olhos esquecidos para o mundo.
J
ossadas
como se não houvesse amanhã, rugia o leão do topo da montanha, rodeado das ossadas dos seus adversários.
como se não houvesse amanhã, subias a escadaria de vinte-e-nove degraus que terminam em queda abrupta.
como se não houvesse amanhã, enxugavas as lágrimas do rio, lavando o sangue das mãos naquele rolo interminável de.
como se não houvesse amanhã, tossias os pulmões a cada golfada de ar fresco, merda.
como se não houvesse amanhã, fodias, pois já ia longe o dia em que deixaste de ser e a noite continuava intermitente nos olhos.
como se não houvesse amanhã, decidias terminar o dia de hoje, todos os dias.
como se não houvesse amanhã, mordias a língua para ti.
J
velocitatis tremendae
Sentes o cérebro a vacilar, com todos os nervos a bombear o sangue em rios furiosos que derramam tudo para a fronte que sua, treme, espasmos e contorce-se, com os olhos semi-cerrados em punho, o teu crânio parece que ferve no gelo mais puro.
Tentas distrair-te, abstrair-te das ideias que não insistem, que apenas não cessam de existir, na tua cabeça e nas palmas das mãos suadas, e observas curioso o latejar das veias nos braços que parecem ter vontade própria, a compasso da vida esquartejada em ternário, numa valsa falsa com os músculos que se contraem, a tesão, a vida que te fluí do peito para o centro do universo, num turbilhão púrpura que te rasga em dois.
Seguras as mãos na jugular que se esconde por detrás daquela névoa negra e puxas, forte, seguras a morte à tua frente e gostas, sem murmurar, sem lamentar, insistes e consegues sentir a pele a ceder onde as cinturas se encontram, a cada investida misericordiosa, estocadas de veludo vermelho na carne fraca, encenadas e repetidas sem perícia, apenas o desejo bruto, vingança da alma.
Quase sem fôlego, repetes para ti mesmo uma palavra, rasa, sem significado algum, mentira folgada, guloso, não há memórias aqui, apenas a luta pelo fim, a batalha que fica por ganhar, a derrota adiada para um outro dia.
E consegues sentir a alma a estilhaçar-se naquele vácuo de luz. Vens-te. O esperma mancha-lhe os lábios secos e tu gozas as 30 moedas de prata, sem receber o beijo da compaixão, apenas as unhas que te marcam o peito incandescente.
J
nada mais
Ele rendia a guarda, no segundo turno da noite, a cára mascarrada de carvão, camuflagem da noite, o engano para o inimigo para além das linhas que os cercavam. Apertava a G3 junto ao peito e tirava a onça de tabaco do bolso da camisa.
Podia fingir que acredito naquilo que quero acreditar. Podias deixar de me tratar como um criminoso.
Poluído pelas ideias que corrompem as saudades,
as curtas memórias que se distorcem no tempo,
aquele que vai no cortejo lento,
desfilando na avenida onde as mulheres vendem o corpo,
e os homens empenham as almas.
Os marinheiros que encontram um lar na cidade,
nos portos distantes que
Rangia os dentes em pó, chupando com força aqueles fragmentos de verdade que se desprendiam do palato, feitos caramelos de badajoz - eu gosto - que se grudam aos dentes, daqueles que sufocam as palavras quando se tem o coração na boca, quando a saliva se torna sangue, rubra, e os lábios se contorcem a cada pensamento naquele esgar de morte, careta, na face destruída pelo desejo incontrolável de procurar o infinito, sabes? enfrentar de frente aquilo que não se consegue ver, a ideia que nos arrepia a pele à noite, quando estamos sozinhos no escuro, abandonados para nós, esquecidos naqueles passos de dança que deixámos para trás, porque, sejamos realistas, sentimos que há mais, e dizem-nos que não há.
Transformamo-nos numa brisa marítima e secamos o odre que nos guarda os ossos, esfregando o focinho nos penhascos - aqueles que escondem os gigantes do oceano - que nos empurram para o voo derradeiro, êxtase mortal, quando os deuses e os nossos sonhos se quebram nas depressões dos rochedos. Metamorfose. E é tudo novo, de novo, até voarmos para longe, para apenas voltarmos a cair em nós.
E aí rasgamos as cartas, testamentos e requerimentos, pedimos deferência às acções interpostas e esfregamos as mãos de contentes pois tínhamos razão, todo este tempo, tínhamos razão.
Bom, aqui fica o meu último desejo, assenta e escreve num papel para não te esqueceres, existe uma nova prova, uma evidência clara e definida - não, não encolhas os ombros - definida nos galanteios e tudo o mais que abandonei, deixei para trás, na clara percepção dos números e factos aqui apresentados, organizados em ordem exponencial, conferidos em duplicado pelo sono que me vai deixando lentamente acordado. Não temas pois está tudo registado. Não tomes por certa a memória que me resta, ela é ilusória e tende a esconder os pulsos da verdade, naquele manto húmido do teu ventre. Se eu te conhecesse - estás a escrever? - se eu te conhecesse, levar-te-ia para dentro. Nada mais.
J
velha cigana
deslocava-se mais leve que o ar,
rodeando a mística montanha que rompia o céu,
por detrás das verdejantes paisagens
- imaginárias pinceladas que lhe pendiam dos dedos
em direcção aos sonhos deste sítio,
abandonando a devastação e caos,
no terror infligindo àqueles que trabalham a terra,
com o suór das noites em branco.
descansavam nos beirais das suas casas,
e observavam como aquela nuvem,
rápida, de um negro espesso,
que se atravessava no seu caminho,
e chamava-os, com as lâminas que rasgavam o solo,
para as verdades que desciam com o vento,
daquelas tingidas a mel, com sabor a azul,
em sufrágios daquelas oligarquias,
que sobravam ao tempo, fantásticas.
regavam os copos verdes de cervejas,
festins e fogueiras bradavam aos céus,
com músicas que lhes dançavam pelas línguas,
observados pelas paredes que ostentavam cartazes,
- apocalipse ditado pelas mãos da cigana
nos melhores dos banquetes de carne tenra,
apoiados naqueles rios de vinho púrpura,
nos vinte e nove dias que restavam.
e a montanha não se intimidava,
apercebia-se, iria perder a sua mulher,
e as notas soltas que ecoavam pela noite,
mi sustenidos ligavam o passado ao presente,
abandonados naqueles campos relvados até ao firmamento,
de onde observávamos tudo, tranquilos,
sem questionar o paradoxo.
J
uma existência vaga
Tool - Vicarious
comes merda às colheres, deve ser isso. drama queen.
olha para aqui, longe, vês? não não, não é isso, rasga essas cartas e lê esta, não leias as entrelinhas escondidas no sexo e nas veias que rasgo a cada sílaba que te sai da boca trémula, elas não estão lá. lê aquilo que te digo, escrevo ou como preferires - não importa, mas lê! - não achas que já chega de voos pelo infinito que nos separa, e enfrentares a realidade enterrada na merda que criámos, entrelaçados naquelas noites em que nos separávamos naquele sexo delicioso? porque insistes? porque tentas recuar para paisagens que nunca visitámos, nem mesmo quando te escorria metade de mim pela boca.
tentei chegar até aqui e foi difícil - o diabo e deus divertiram-se, sem dúvida alguma - não deites tudo a perder com clichés baratos. não preciso de mais amigos, de conforto que se escreve com todas as letras na minha pele, roendo-me a carne com a luz negra das mentiras que tatuas cá dentro, caralho, sorri e sê feliz com a existência vaga que deixaste.
saio pela porta e acendem-se as luzes, o espectáculo é teu.
deixaste cair as tentações que eram minhas - e deixa-me - reage, reage fodasse. minha, és minha, e não tentes ignorar o simples facto de que ÉS MINHA. e acredita, que a tua hora irá chegar, hoje ou amanhã, amanhã provavelmente, embrulhada em mais vinho que tinge os nossos olhos de vermelho a cada trago, abençoando o doce sono que procuro.
deixa-me, embrulha as tuas roupas caras e sai. que venha a luz, ou a falta dela. farto da madrugada rosácea, minha, no lusco fusco reencarnado, e do salve-se quem puder.
J
como ovelhas
Saber que se morre, devagar naquela morte lenta.
subia-se o monte devagar, passeando pelas nuvens acima, regadas pelos ventos da primavera, que empurrava aqueles dias de sol para as nossas mãos, sempre a construir castelos e a criar maremotos nas nossas guerras de piratas, lembram-se?
corria o mundo para nós, naquela vasta ideia de não termos dono, sermos livres e senhores absolutos, de todas aquelas chagas que transportamos mais tarde, entediados da vida e daquilo que nos oferece, demasiado embriagados para nos recordarmos que os castelos se constroem nas areias das praias que conquistamos e não nas margens das nossas impenetráveis ilhas, bolhas de bolor e pús, que cimentamos a cada passada larga para a cova.
quando velejávamos rio judas abaixo, pelas nesgas de relva que brotavam dos pântanos, reino de pijamas e de capas gastas, em buscas por tesouros por ali perdidos, caveiras e restos de outros vilões ali enterrados, perdidos na busca necessária em tornar a vida misteriosa e rápida, sem distracções daquilo que importa, descíamos o rio de sorriso nos lábios.
naquelas tardes, enchíamos os balões d'água que trazíamos nos bolsos rotos, cheios de cromos e berlindes, escudos e espadas, talvez um rebuçado ou outro - o tal dente fácil, e naquele sol que brilhava forte para nós, descarregávamos aqueles gritos de guerra, batalhas em planícies deitadas de barriga para cima, pela noite dentro, em sonhos e outros jogos.
trazíamos a vida nas feridas com crosta nos joelhos raspados e nas mãos pretas de terra. como é que passámos disto para ovelhas à espera do matadouro?
huh. eu sei eu sei!
J
Paz & algo mais
Ela queria vê-lo nu. Despia-lhe a língua primeiro, roubando a atenção dos olhos, vagamente lembrando-o da razão de estar vivo, saboreando cada momento de vitória daquele jogo de resultado viciado. Esperava ele pela ordem última, entrega cega e embriagada naquele doce momento que julgava seu, campo de batalha do qual julgava ser general imperador.
Os dedos dela vergavam-no à sua vontade, imaginando-a sua, acreditando naquela mentira folgada, fugaz névoa que lhe rasgava as roupas - és minha - dizia ele, encostando-a à parede, enquanto que ela lhe negava os lábios carnudos, rindo-se lasciva, guiando-lhe a boca para o pescoço, aquele deleite de carne viva, sentir-lhe o coração bater, o aroma de ópio, em afogamento selectivo.
Havia razões para acreditar. As pernas esforçadas desfaleciam, o sangue corria quente pelas veias, conseguia sentir a vida largar amarras lentamente, com destinos mais a sul, enganado pela vulva, rubor, mergulhando a língua, lentamente sufocando a morte dos lábios. Os joelhos tremiam-lhe, olhos fechados, focados, e ela prendia-o ali, naquele éden de pernas, suor, o animal humano, frágil pulsação carmim, comandando o exército de sensações que lhe tomavam o corpo, empurrando-lhe os dedos para dentro, contorcendo-se em mil sombras, flashes de uma sobrevivente, naquele seu escravo que a bebia à velocidade a que ela mentia.
Sorria, o plano era perfeito. A verdade, e mordia os lábios, e ele fácil, de dedos e músculo, a saliva junta naquele muco espesso que os pintava de luz, a cada sombra que passava. Era dela, até ao clímax, uma e outra vez, dobrava-se sem vontade, sem força para resistir às ondas de prazer que lhe atravessavam o corpo, rápidas, mas lentas, frágeis, mas esmagadoras, e era bom, era tão bom. Dançava com a sua sombra, pintando um dragão no tecto daquele quarto.
Cansada, não precisava mais dele, gasto. Cansada, contou-lhe toda a verdade, num só golpe, a mão erguida, braço estendido e o luminoso reflexo da lâmina à luz, desferida na jugular. A verdade, cansada, esvaía-se a seus pés, sangue, lentamente enganado, com um sorriso nos lábios, morto.
J
já são horas se?
viajar a correr, a transcrever a realidade para sonhos, nas pétalas dos teus olhos, que nasceram mortas, caídas nas palmas das confidências, da confiança quebrada, o lacre selado pelos nossos lábios.
todas as cores incertas, a cada passo violento, deixando a pegada do tempo para trás, reagindo rápido e incessantemente à vida que queres para mim, nos fins do caminho e nas direcções pedidas, perdidos sem razão, fodasse a joie de vivre, quero tocar os teus cabelos e sentir o acre da terra na boca.
e descer, tecer os mais belos comentários nas tuas asas, deitados nas linhas que trocámos, escorregando lentos, nas sílabas que se engasgam, o destino salivante da merda em que insistes crer, a solução para a longa espera no apeadeiro, inconsciente, pancada seca na nuca, e os dentes que separam a língua-coração, deitado no cimento cansado, à espera de cantar, agora e já, aquilo que nos faz dançar.
viajar a correr, um pé à frente do outro, prova vertiginosa, um teste às capacidades sobre-humanas de desperdício, O TEMPO QUE DESPERDIÇÁMOS A OLHAR UM PARA O OUTRO NAQUELA RUA ILÍCITA QUE FAZIA O TEMPO ANDAR PARA TRÁS, adivinha, é para quem o quanto que queres, de bem ou mal, ninguém sabe.
despia a roupa quando,
e descia a rua,
perguntei ao velho que bradia para,
poderia dizer-me - já são horas se?
podia ser tudo aquilo que vier e, se deixar de ser. doente ou tanto faz, morto.
J
queda
Gostava de colher o sal do teu último suspiro,
embalá-lo e colocar-lhe uma etiqueta bonita,
- daquelas com arco-íris e sorrisos!
despachá-lo via correio expresso para todo o mundo,
e curar as doenças do coração e dos pés,
as bolhas nos dentes e as mãos ásperas
- salvar o mundo combalido, inferno enfermo!
abraçar com graça a tua queda.
Podíamos disfarçar-nos e bailar, cruzar o espaço interestelar nas asas de um tumor gaja, beijar o ar rarefeito no cume dos montes que sózinhos não conseguimos escalar, tipo aquelas árvores do colégio que ninguém conseguia trepar.
Sagrados os longos caminhos que percorremos,
naquelas gloriosas tardes de verão amargurado,
ensopados nas vastas planícies despidas diante dos nossos sonhos,
dois amantes em desgraça, alheios à noite e às horas que marcam o sono,
os momentos que passaram devagar demais,
nos trapézios sem rede dos nossos lábios.
É o destino, desde o dia, quando começámos.
Volta para a terra, velho cadáver que rosna o sol que lhe bate nos dentes,
volta a enterrar-te com as mãos que te sobram ossos,
esmagada pela lama que ferve no céu à passagem dos astros,
volta para a terra, antes que te mate a tua morte matada.
Deixa de rastejar nos meus sonhos débeis,
deixa o lastro que pendura e dói nos braços,
retorna, e deixa-me colher o sal do teu último suspiro uma vez mais,
para poder enviá-lo a quem precisa,
de mais um outono perpétuo, de pores-do-sol dourados,
pintados no sexo que nos queima os olhos.
J
o poder
os semáforos piscavam, latejantes, amarelo, atenção, cuidado com o despiste iminente, avisavam. seguias em frente, descendo a janela do passageiro. os bancos macios, de pele gasta mas conservada, sentavam-te confortável e confiante, absoluta e massiva ao volante, a virar à direita e à esquerda, o destino assim o previa. as marcas dos pneus, queimadas no alcatrão seco e quente, julgavam o perdão que havias deixado intocado. lentamente sussurravas as palavras que o teu coração queria gritar. nunca te irias resignar ao julgamento que te haviam feito.
descias a ravina com fúria, tesão pura de adrenalina, com o suor que te escorria da testa, justiceira em busca de justiça. não existe descanso até que o cruel crime tenha um culpado, até que haja sentença e execução. sentias o trepidar do motor nos dedos, vacilando toda a raiva que balançava dentro de ti, lâmina perfeita, sedenta de sangue. alguém havia de pagar.
encostas, tens que meter gasolina. páras e desces. um pé e o calor abrasador da rua que te irrompe pelo peito, soprando os cabelos e mentiras junto ao ouvido. não ligas. sais imponente, esmagas tudo à tua passagem e atestas - num fósforo, e só tu tens o poder de juíz. a sombra do inverno que se ergue no horizonte, são horas.
voltas, aceleras, carregas a fundo no acelerador, rápido o estímulo, a carícia no asfalto, e a fria vingança pela frente. não havia lugar para aquele tempo, gasto a pensar. havia que agir e sabias disso. arrancaste todos os dentes e afiaste os dedos, no sentimento que te tornava negra, cada vez mais perto, sempre que fechavas os olhos. traías-te.
não conseguias decidir o método. a maneira de como trazer o fim a esta triste história. ninguém podia sentir o medo, nem ouvir as culpas que te sangravam os olhos. como desprezavas a vida. a última recta e o momento em que ouves todos os ossos do teu corpo a quebrarem-se em uníssono, numa fractura do tempo e do espaço, tudo tão violento e tão belo. os teus olhos que saltam das órbitas, agarradas ao volante as mãos, dentro do peito, e os cabelos projectados para a frente, na tua última dança. havia uma sombra de ti estendida por todo o caminho que tinhas deixado para trás. vingança tomada nossa, em teu nome.
e não consegues decidir, ainda.
J
condizem com os teus olhos
úlcera fantástica,
e a claridade do dia que se aproxima,
és doce mas estou cansado,
o tédio lascivo da tua voz.
conta-me mais, mais perto da luz,
salva-te e escolhe os teu inimigos,
e deixa-me que te diga,
sobre o dinheiro e os sessenta dias de violência.
assenta a lápide e jaz,
perscruta o solo húmido, musgo, nas tuas palmas dos pés,
é tudo mentira, nos teus olhos,
vergonha de ontem, de ti.
estiveste a perseguir a verdade,
e pergunto-te porquê
- porquê?
o que te interessa, em desgraça,
estiveste a perseguir a verdade,
não digas que não quando queres uma hipótese.
estes velhos sentimentos,
reflectem-se em ti,
e é esta a razão, a verdade,
que buscas, porque te odeias,
sem vergonha de o esconder.
ainda hoje não entendo o porquê se queres que te diga - não queres mas eu digo-te à mesma - e se te perguntar porquê? não o negues - é tudo imaginação, mal contada, da tua mente, de joelhos, a carne fria, e lembras-me as nossas fotos, engolidas, nas fogueiras da idade.
julgo que irás um dia acordar,
- se acordares!
e irás tentar cortar os nós que te prendem as asas,
voar
- haha
para mais jogos e merdas que tais,
embrulhada em viagens irreais,
ver, e aqui estamos, dois que não conseguem ver.
separamos-nos na névoa da noite,
sinto-te na breve brisa gelada do teu hálito
e consegues provar a água nos meus lábios,
vinho sei, consegues ver,
a queda, o doce quebrar, estilhaçar da minha doença em nós.
esta noite regressas e depois retornas,
limpo-te o corpo, seco-te a vida dos olhos,
nesta noite, somos o único resultado de dois,
junção subliminar improvável incomensurável dos espíritos
que se mancham.
esta noite, em sangria desejas que acabe,
sem atenção, gostas de provar que estás só,
tudo se compõe, e quando choras,
a negra tez, olha-me a face, despe.
abro as mãos porque condizem com os teus olhos.
abro as mãos para as afogar nos teus olhos.
estás grávida e arranco-te os olhos.
J
sem nexo
ouve a terra que reclama o nosso corpo,
que desce devagar e sem desdém,
suspiro,
não há vestígios dos cortes deixados,
lenhos de tesoura e faca, desleixados,
trôpegos, sem nexo.
e queima, o brilho do culminar de tantos anos abandonados ao acaso,
sem destino previamente estabelecido,
enganos conformados e o caixão que já está selado,
pena.
desejo-a hoje mais que nunca, somente nós,
- eu e ela.
abraçados apenas esta noite e o resto da eternidade.
ajuda-me a vestir
o ímpeto da guerra nos teus olhos.
J
amo-te caralho
Queens Of The Stone Age - Sick, Sick, Sick
e o rapaz pelo qual suspiras irá morrer nos teus sonhos, na vida que te deve, e que eu te dei.
vingança inútil este beijo, deixaste-o brilhar nos teus olhos a noite passada e agora quer mais, mais de ti e sempre, mais dele, sempre. demoraste uma eternidade a sentir as pernas e agora rezas, ajoelhada, deitada ou como te der mais jeito, no cimento, quando tudo piora, rezas.
era tão fácil, tão invulgarmente fácil, criar um mundo teu onde só possa entrar quem tu queres, mas não, claro que não, em braços carregas o peso do mundo, enquanto que trinta homens se revezam nas tuas costas. não sentes o pus? escorre-te pelos cantos da boca. estás morta mas isso já sabes. decompões-te, aborrecida, é tudo tão chato para ti. mas eles não te querem.
sangras curiosa, e suspiras, inspiras, expiras, perdida nos teus braços, acreditas mesmo que o teu destino é ter a vulva sempre molhada, bruta, em murmúrios crescentes? deves. não penses por um minuto que as etiquetas nos pés de quem te beija são diferentes da tua.
é bom? vejamos, morte, sangue, pus, ah claro, falta-te o negro coração, mas isso é fácil de arranjar.
num mundo tão... fácil, esqueces-te de como é, como se reage à luz, maldição e superstições do diabo e restos de paisagens esbatidas em fotografias penduradas, emolduradas em solidão. mas irás perceber que nem tudo, nunca, tudo, é nada. irás perceber, entender, que todo o tempo fluí apenas num sentido.... fácil, debaixo dos teus pés.
e não te consegues lembrar da face, dele, ou era ela?, és uma piada mal contada na casa de banho, na merda de uma casa de banho num qualquer bar, perto do largo de são paulo. irei sobreviver-te, e ah, peço desculpas por ter desperdiçado qualquer tempo que tivesses em mãos, sem ressentimentos ok?
os prepúcios sabem-te todos ao mesmo depois de regares a boca com vinho. é tudo tão... fácil, não é ou era, quem sabe. podiamos ter sido perfeitos tu e eu. mas vir-me nos teus lábios era tão.. fácil. resta-te a seiva que desce dos céus, despejada em brinquedos e outros artigos infantis que tenhas à mão. desapareces em tempestades e trombas d'água.
vou-te arrancar todos os pedaços do corpo, mãos, e desprender os restos que sobrarem da lama, lodo incomensurável, sem piedade, sem piedade, será cruel? talvez não mas, ergues-te surpresa com todo o movimento à tua volta, quando fodem como tu, contigo, já devias saber não? claro que não. todas as lareiras fogueiras do mundo não seriam suficientes para aquilo que mereces, dentro e fora e dentro e fora e novamente dentro e novamente fora, rápida e tremulamente, pendurada em fios e arames, dorida nas costas do peso, farta nos impulsos, de diafragma cintura cíclica bamboleante, sôfrega a maneira que escolheste para morrer. parte de mim adoece.
não há raiva nos teus olhos, cabisbaixa, passou tudo tão rápido, tão... fácil!
é tudo tão fácil quando não há anjos que te forcem no sexo, descuidados, porque, a raiva que te sangrava nos ossos jaz pútrida na carne que te queima a língua. engoles sempre, sem deixar de saber que, por causa disso, está algo dentro, que cresce nutre desenvolve medos que não, se desatam, os pesos que sentes nas côxas.
sim. é um mundo cruel. mas nós
gostamos.
J
demasiado cansado
é como te vi pela última vez,
tão cheia de vida
como se nunca tivesses caído, tropeçado,
rasgaste uma veia, e mudaste,
puxei o teu ouvido para perto dos meus lábios,
e menti-te,
deitados, encostados, sujos do nosso suór,
os sexos calmos, num ritmo rápido, suave,
dançam e bailam,
nas brasas da fogueira que nos consome,
prazer frágil, dfe tanto medo,
de te sentires,
tão cheia de vida.
- e gostas disto?
- sim.
não há hesitações possíveis,
segue-se a vontade dos corpos,
agora que és heroína e eu herói,
tentamos deter as mentiras,
de regresso a nós,
em ti e dentro,
clímax, os braços que se desarmam,
aquilo que fazes,
respondes,
detens as mentiras em ti,
nada mais interessa,
agora que és verdade,
mentira.
respiração pesada e sais do quarto,
despes a roupa que vestias,
limpas os cortes, o cheiro a liberdade,
sais.
pintas as ruas reflectidas nos teus olhos,
brilhantes, pintadas em luz,
e rezas,
- quero saír da multidão, saír da almágama de carne que me sufoca, deixar de brincar ao faz de conta e enfrentar o mundo nua, sem mentiras em mim.
e é o mesmo dia, depois de novo dia,
levas-me em braços e flores,
é tão doce, bonito em ti,
um carinho maravilhoso.
e nem sabes o meu nome.
largas amarras, soltas o lastro, voas, direcção nenhuma, apenas até ali, devolver àquela rua todos os sonhos que tu ou eu e todos nós lá deixámos, apaixonados, ébrios pela saudade de sermos fáceis, sem orgulhos, simples, criaturas nascidas para amar.
era domingo lembro-te, não saía ninguém à rua naquele dia, estavam todos trancados, em igrejas, isto de dia, à noite era em sacristias.
- não importa, as mãos guiam-me pelas paredes, costas imponentes da rua, dos ecos deixados pelo êxtase do quotidiano a que tu não dás valor, e o amor é o mesmo, de dor menor é certo, mas a cantiga é a mesma, os corações partem-se à mesma, jorram sangue, igual ao meu e ao teu, ao nosso. quem és tu para...
- o sujo e tão belo futuro.
- esquece o futuro, eu não lá estarei, só mais tarde, quando for mais tarde.
J
LX
seria uma visão magnífica, acordar de manhã e vê-la afogar-se lentamente na sua miséria. Ouvir os seus últimos, soluçantes e sôfregos espasmos, gritos, de boca escancarada, a tentar agarrar-se à vida com os dentes, como um beijo longo, letárgico, à última bolha de oxigénio que a separava de uma vã existência e a de nenhuma.
como seria belo vê-la contorcer-se quando os seus magníficos seios fossem a única réstia daquela mulher à superfície. os dedos das mãos, esticados, quebrarem-se, estalarem como galhos secos, desprovidos de vida, com a força de quem sabe que está a morrer, hirtos, em êxtase.
ver o primeiro inspirar de água, de lágrimas, e observar o pânico nos seus olhos. Sentir-lhe as veias a inchar, a metamorfosearem-se em mil cores azuis.
e toda a sua negra tez caiada num branco manto enquanto todo o seu peso, imponente/farta mulher, a puxava para fundo.
quando a sua agitada dança cessasse, quando os seus delgados braços desistissem de alcançar os meus, e aquele último sorriso, aquele que nunca ninguém imaginasse possível, esboçado em leves pinceladas nas suas pálidas mas redondas bochechas, surgisse, de olhos bem abertos, apenas para mim.
sorria apenas para mim.
toquem os sinos.
J