crónica de Outono

domingo, 18 de maio de 2008 às 13:44

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Ocean Colour Scene - Riverboat Song
anyway, for all the things you said tell me why does the river runs red

Outono é bailado.

Desprendeu-se agora, do alto daquela árvore secular, a folha de Outono. Amarelecida, no tom de oiro velho que o Sol lhe deu, com um ar cansado e cheio de rugas, duma vida já vivida, vai iniciar o baile. Vem livre, em evoluções e piruetas, ao som da música da brisa suave que sopra em surdina. O tema é Ícaro e o seu sonho. É livre. Voa pelo espaço em voo efémero, na realidade dos sonhos já sonhados, que a deitam por terra e a torna escrava dos passos que passam.

Vai alto o Outono. A brisa suave é vento agora. A música já não soa em surdina. Tem tons de estridência e lamúria, sopra gritos, num arrepiar de silvos. O proscénio do céu é iluminado, em feérie de rasgados clarões intermitentes, que respondem ao ribombar dos timbales da orquestra do tempo, dos elementos. As árvores, alinhado corpo de baile, despiram já os seus fatos garridos, estão nuas agora. E, nas evoluções dos braços e dos troncos, nas flexões que o ritmo impõe, vai começar o ballet.

O Outono é a vida melancólica, mal aquecida por um Sol mais baixo que já não queima. É repouso de sonhos cansados, de ledas e doces recordações. É sossego, paz, tranquilidade, e onde o cântico final das vindimas soa como o último abencerragem da alegria.

Trivialidades de uma vida efémera, que se repete, recolhidas por esta folha de Outono que eu já sou.

As mãos que entrelaçávamos, naquele envelhecer bonito, com a confiança da vida que havíamos deixado em boas mãos, decrépitos, de sorriso parvo na cara, feitos um para o outro, incomodados com a ausência dos beijos que trocávamos às escondidas, abraçados naquele por do sol que pintava toda a paisagem de dourado.

Os rios corriam mais lentos, pintados de vermelho pelo horizonte, quando brincávamos naquela terra molhada, aquele cheiro intenso a fertilidade, mergulhados nas memórias do verão que já se esquecia, longe, dos risos abandonados naqueles areais, escondidos nas dunas do teu corpo, e os teus olhos e os meus, risonhos.

O vento que sopra frio e faz ranger os ossos, silva pelas frestas das janelas e portas, preso em meditações, naqueles longos domingos solarengos, do Sol quente que arde por dentro, que faz corar as folhas, tingidas pelo vermelho dos teus lábios, ou amarelecidas nas saudades que rasgam as nuvens baixas que passam. As andorinhas já não pairam por cima das nossas casas, e a orquestra arruma os seus instrumentos, tudo se resguarda, espera pelo frio, naquelas demoradas noites que nos encurtam os dias.

Vai alto o Outono, velho sábio, agasalhado em nós.



J & Joaquim Teixeira circa 1994

4 Comentários:

19 de maio de 2008 às 10:10 Anónimo escreveu:

Finalmente, alguém que vê como o Outono é bonito!

Este texto é absolutamente maravilhoso de ler. Faz ficar doce no pensamento. E faz desejar o Outono depressa, para o passar algures, deitada num tapete vermelho e nos braços de alguém. Aquecidos por uma lareira do cb. Gasp.

lareira + tinto + morangos + tumor = J feliz, pá!

e o poster do rui costa por cima da lareira han han?

ena pá!


J

21 de maio de 2008 às 11:01 Anónimo escreveu:

poster do Rui Costa? Nã... 'tava mas a pensar numa cabeça de javali empalhada, ou assim. MU-HAHA.

argh! :@

animais empalhados são a minha kryptonite fodasseeeeeeeeee!

acho que borrei as cuecas à conta disso... outra vez... :(


-te!


J

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