IV - Revólver

quarta-feira, 2 de junho de 2010 às 13:37

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Sentia saudades do doce ronronar do metal da ponte, suspenso em teias tecidas naquelas ruas ásperas que serpenteavam pequenos pontos de luz pelo coração da cidade. Balançávamos junto à janela, ombros alargados para fora, braços esticados, apoiados na pedra mármore do parapeito. Ela inclinou-se para trás e voltou para dentro, delicada e menina, sentado-se atrás de mim.

Puxei de um cigarro e senti que ela me observava, gulosa, à espera do momento, do instante para se saciar na minha carne quente. Lá em baixo, na rua, crianças gozavam com um velho bêbado, adormecido ou esquecido numa passagem estreita.

Apaguei o cigarro e respirei fundo aquela leve brisa de verão, tingida de acre pela metrópole, mas ainda bafejada pelo calor que vinha do deserto a sul. Sabia-me bem. Era Verão. Virei-me para ela - olhos grandes semicerrados, lascivos - de joelhos, na minha direcção. E começa.

Primeiro a mão esquerda na perna, pouco acima do joelho, com os dedos - os malandros - a sentirem o todo do interior da minha coxa, e suava - ritual - a mão direita juntava-se também, bem aberta, com os dedos em garra, acariciando com fervor o meu escroto, ao de leve, por cima das calças, tentando acordar o resto do corpo - e conseguindo-o.

Os seus olhos famintos abriam-se e brilhavam ao sentir cada investida do acordar do músculo dormente, em espasmos de prazer e calor que lhe diziam - é hora.

Olhava-me nos olhos. As suas mãos já se desembaraçavam da minha roupa pelo chão, e os joelhos dela dobrados, de ombros apoiados nas minhas pernas, a separá-las de forma a não se intrometerem entre ela e aquele naco quente que já fervilhava nas suas hábeis mãos. Carne ansiosa por carne e o êxtase da sua língua provava-o.

A cidade olhava-nos curiosa, feliz com o desfecho anunciado. Ouvia a música dos clubes de strip que entrava pela janela, abafado com os arrufos das putas que desciam a avenida. Mas não interessava, nós já não estávamos ali.

Ela começava sempre de baixo para cima, escorregando a sua língua sequiosa pelas veias salientes que esperavam já a sua respiração quente, que arrancava todos os pedaços do meu ser, rasgado e torcido naquela fracção de segundo, e segurava-lhe a cabeça pelo cabelo com força, para não me perder no feitiço daqueles olhos que reflectiam um homem moribundo.

Segurava-me com as duas mãos e continuava, lenta, naquela dança cíclica, embalo fácil da maré da saliva, nos lábios carnudos a nascente abundante, queimando-me em todas as ondas, quando embatiam de encontro ao inchado prepúcio saliente, pintado rubro por todos os nervos daquela língua sagaz que brincava e atiçava o fogo que ardia ali, entre nós.

Os pelos na nuca eriçavam-se. Os espasmos tornavam-se gemidos e o olhar inocente transformava-se em imperadora meretriz, concubina da carne que fraquejava a cada carícia, cada vez mais violenta. Deixava de ser rápida para ser frenética - e os dedos cravavam-se fundo, no parapeito da janela, com vertigens naquele voo alto - e ela gemia e gostava, pedia mais e gostava, rasgava-me a carne naquela corrida pelas portas do inferno e gostava, perdia o controlo e gostava. Afundava a boca em naufrágios sem âncora e gostava.

Escorria-lhe o meu esperma quente nos lábios e ria, abandonando-me à minha sorte.

Puxei calmamente do meu casaco e retirei o revólver, encostando o frio metal do cano àquelas bochechas rosáceas - e olhou-me brincalhona no instante antes - puxei o gatilho.

2 Comentários:

6 de junho de 2010 às 00:58 André Venâncio escreveu:

Li, reli, mostrei e gabei. Está espectacular. Tens talento!

Obrigado caro André, volte em breve.

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