Perdidos & achados VI

domingo, 23 de setembro de 2012 às 15:40

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Partilho contigo a minha falta de jeito
a fantástica habilidade que tenho para escrever coisas que ninguém percebe
palermices, pieguices, lamechiches, choros e lágrimas avulsas,
coisas de criança
de menino sem mãe que perdeu o pai
viciado no absurdo requinte da sua solidão
ou a desilusão que é abrir os olhos às quartas-feiras.

Estou preso em púrpura. É isso. Não percebes?

Explico: encosta a cabeça no meu peito e escuta. Não ouves o sangue a circular-me pelas veias, os pulmões a lutarem pelo oxigénio em vez do alcatrão ou o bater oco de um coração. Não. Ouves um leve ranger. Ouves o esqueleto debaixo da pele, cartilagem, músculos; é um viver preparado para o destino. Não?

Não escrevo para ti, sobre ti, a pensar em ti. Escrevo porque não choro. Porque o papel não me responde — é-me solidário no meu silêncio. Escrevo porque tenho em mim palavras-nuvem. São parágrafos resilientes, sabotados à nascença, cremados em cadernos sempre de luto. Eu não existo para ti — não espero que compreendas, nem tão pouco te peço que me leias. Ama-me, só. Não quero que te identifiques com a inércia do movimento pendular que o pulso leva à boca em sangue.

Sabias que quando ergo um copo e o levo à boca, se lhe vejo o fundo, reparo nos monstros que no fim do líquido se escondem?

É.

A verdade é que a demência, esta clausura de orações, me mantém livre. E ao contrário do que me dizem, vezes e vezes sem conta, o meu amor é a minha única arma. E sem ele seria igual a ti.

Não estou perdido, somente à deriva.



J

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