trinta e oito

segunda-feira, 14 de maio de 2012 às 21:41

Escrevo.
Suspiro sobre a criação
                         — a ambiguidade mitómana do universo que verte estrelas.

Escrevo.
Leio as palavras que tombam defronte dos meus olhos,
                         sobretudo sobre nada.
São pensamentos ou ideias quase sempre não são apenas nada.
Turbilhão frágil de anémonas luminescentes
                                                  nos socalcos
profundos, esconderijos de almas
que cometem o mais belo dos crimes.

Escrevo.
Insisto em escrever
                         parágrafos recortados de poesia antiga
                                                  em segunda e terceira mão.
Caralhadas avulsas, vulvas avulsas,
noites de luz e morte, sempre na morte.

Escrevo.
Deixo que a caneta sangre sílabas
que inventam ilusões, sugestões
de quem sou, de outros Eus, derivados
                                                                           de nuvens
                         e espelhos amarelos quebrados,
o pulmão na boca, a boca
na boca, estrelas nos olhos.

Escrevo.
Tinjo o papel de gasolina e ateio a alma
no teu corpo, todas as vezes,
esqueleto amarrado que roubei para mim,
que carrego para mim, a liberdade
em mim. Não compreendo o que entendem,
não percebo a fome que mata,
rastilho óbvio, preso feito nó
                         de cicatriz aberta,
as lágrimas que transbordam o sal em feridas de plástico.

Escrevo.
Delineio as regras baças
que ditam quem se deita no meu cemitério,
campas de gente morta,
mortos que sonham verdades
para eles, sombras etéreas esquecidas
no enorme muro azul que conquisto,
trepo e derrubo,
                         — Sempre!,
para ver a torrente de sangue da minha garganta
aberta.

Escrevo.
Demasiado depressa,
deixo letras abandonadas
das suas palavras,
                         — são erros,
dizes
                         — são as memórias erradas,
corrijo.

Escrevo porque os estilhaços de vidro nos olhos
                         enganam o espelho.



J

1 Comentário:

não são erros. são vidros. <3

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