Sonho II

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012 às 00:05

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Tenho frio, só, o comboio pêndula na linha e leva-me a casa - vejo belas caveiras de osso negro no reflexo da janela, entre os gritos do passageiro e a parede exterior. Mas depois dos anos de anos de espera encontrei um sítio quente.

As carruagens chocalham e os corpos agitam-se, roubo-te um momento de atenção, penso, decido mostrar-te a inquietude em flash, o encanto dos meus amantes passados, e aposto os futuros, sem nada para morrer - porque a morte nunca tem tostões trocados.

Tubos de metal cromado alongam a passagem até à próxima carruagem de onde não podes voltar.

Apeadeiro. Saio e subo as escadas, os degraus amontoam-se nos meus olhos e a vertigem sacode-me violentamente, luz flash luz, os transeuntes olham desgraçados para dentro, lá em cima esperas-me com o teu exército. A mulher que trouxe ao mundo um império num quarto de hotel, e só porque tens esse olhos esqueces-te da cruz que carregas. Mas as lágrimas, essas, aniquilam o vácuo.

O quarto está escuro, a sala fria, o ar cheira a bafio e julgo que as paredes tombaram. Resguardo-me. A vontade era esta, já to disse, e sei que é errada, eu sei, mas que queres?, se não premir o gatilho o quarto continuará escuro e a sala permanecerá fria.

E o letreiro de néon continua a anunciar vagas no inferno. Anda, vamos passar um bom bocado.



Caio em mim, frio súbito, aperto as pálpebras com força. Sinto os dentes doerem, os maxilares cerrados. Exalo...

Fecho os olhos, ainda posso tentar.



Suspiro. Chove novamente, e já não sei onde deixei o casaco, sabes? onde?, resolvi despir-me e não preciso dele - algo me diz que não irei voltar. As nuvens saqueiam a cidade. De onde estou o cheiro a enxofre é até suportável, penso. Tudo se move em balanço marcado, lento, soberbo, redundante, tenho náuseas e dentro em pouco acordo, eu sei que sim.

As pedras da calçada têm sangue, movem-se, trocam de padrões, vês?, agora formam tentáculos e sobem pela fachada onde duas silhuetas discutem junto à janela. Pássaros abrigam-se da chuva debaixo dos alpendres e fitam-me o passo nu com os seus oito olhos de aranhas. As suas penas são cruas, de carne e onde deviam ter bicos têm covas com dois pequenos braços.

As náuseas.

Apoio-me no muro e olho em redor.




J

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