Reencontro-me.
A chuva lateral despe-me até ao branco osso
— sorri
— resta-me o esqueleto em dança.
Os meus dedos são longos e destemidos desfiladeiros, abismos de onde as sombras não escapam. A entropia do sorriso vermelho sangue, dos lençóis onde levo a enterrar o teu corpo todas as noites enquanto percorro a avenida pintada pelas ambulâncias apressadas, leva-me o sono sem razão de ser.
Desconheço as imagens, o filme sem personagens, o revirar desconfortável do coração que assiste enfático ao sopro desperdiçado
— mas tu não percebes;
a vida não é a aposta ou a incerteza do resultado,
a vida não é mais que um longo manual ou manuscrito ilustrado de como morrer.
O teu optimismo apenas torna os teus medos mais evidentes, dá-lhes um nome, uma face, uma sombra que nunca está presente nos nadas.
O vestibular crepúsculo dos meus olhos adivinha as formas das nuvens no céu.
O meu pé esquerdo treme, não sei, esquece-se que é um pé talvez, julga-se pássaro por momentos.
O papel de parede desbota-se por um segundo, assíncrono com o pesado movimento que os pulmões exercem contra o chão, toma como suas as formas roubadas às páginas do livro que me emprestaste.
As minhas mãos escondem-se dentro do peito quente e perscrutam as suas histórias, atentas.
—
J
Texto XXIII
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