Eu sei que esta dor, este queixume barato e/ou os constantes desabafos aborrecem. A novidade desaparece rapidamente e o tédio estala e instala-se. Limitas-te a um leve abanar basculante da cabeça enquanto lês um livro, deitada, inclinada no sofá em suspiros sôfregos, com os teus pequenos peitos escondidos entre as dobras do antebraço que vira as páginas desse romance. Não te censuro, o jovem rebelde sem causa perde o interesse quando morre velho e aposta em dores invisíveis contra as causas sem lei.
Mas pinto os breves instantes em que fechas os olhos de vermelho-púrpura assim, no pulsar da língua contra o palato, porque sinto o teu cheiro ainda; ou o desejo de te despir a boca com a sombra dos dedos, e é só (e é tudo).
Tenho saudades da gargalhada rouca, do abraço apertado, do amor dele.
E uso o teu para me esconder das minhas sombras.
E é só (e é tudo).
—
Tenho dois dedos na boca e mastigo-os
— gosto do sabor da carne enquanto te desenho em sonhos na nuca
e reviro o corpo inquieto nos soluços da noite
neste martírio demorado/preciso/exacto
onde escolho ser o espelho baço, o destino oxidado,
traçado a regra e esquadro,
delineado nos ângulos rombos do meu quarto.
—
Sempre que viajo numa carruagem e um outro comboio cruza a minha janela de passageiro, vejo-o abrandar, imagino os corpos sem vida, ensanguentados, do outro lado do vidro e do alumínio frio, alguns ainda a estremecer um qualquer resto de vida; e quando a fluorescência das luzes abranda e fica na intermitência ou indecisão entre a luz e a escuridão, vejo o reflexo da tua sombra na janela, na minha janela, de pé, atrás de mim.
—
J
Texto XXVI
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