XXXVII

quarta-feira, 10 de julho de 2013 às 14:43

…sentado neste apeadeiro, sigo com os olhos o comboio da vida que já vai longe, desenhado apenas pelo fio da linha no horizonte. E o que vejo não são as carruagens que se desvanecem na distância ou o fumo da locomotiva atirado em nuvens pelo ar, mas o meu corpo que fica para trás… é como se os meus olhos fossem espelhos ou reflexos dos passageiros para quem fico cada vez mais aqui, mais longe.

Deixo que o corpo seja apenas pensamento, breve e fugaz constante universal, aquele ou outro qualquer momento de erro —
crer em absolvições ou actos de piedade.

não há mais trunfos no baralho.

deixo que a rua entre em mim
que os passeios altos escondidos nos vultos de quem passa
tombem em mim
com todas as formas escuras desenhadas por alguém
gigantes e trapezistas
— não, suspiro — deixo-me levar pelo calor que me deixa a boca seca

só não te conto todas as estórias
todas as palavras, letra a letra,
porque sei que sempre foi tudo teu
e é um tudo grande, redondo, uma liberdade imensa
tua
é como se a poesia futura
caísse em trambolhões, escada abaixo
para dentro da boca
dentro dos olhos
da boca.

ainda não inventei nenhuma maneira
uma singular vontade
capaz de encurtar as verdades
ceifadas.



J

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