Um dia, a ponte caíu.

domingo, 27 de abril de 2008 às 18:49

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Doente na doença de estar doente,
de sentir os dentes crescer para além dos dedos,
a mastigar lentamente as palavras que preenchem o nada,
que nada preenchem.


caíu pá, e agora?



O velho mantinha-se calmo, olhando para cima, para eles os dois, disse grave - "Foi-se".

As ondas quebravam-se no embate com o cais, calmas, não mais que um metro de espuma quando se erguiam do Tejo azul esverdeado. Era um vaivém pacífico que se entendia com o burburinho das multidões suspensas nos murmúrios e gritos, de soluços nos olhos que procuravam algo que já lá não estava. Por cima de nós, o céu esbracejava um suspiro, quando o sol nos mirava por entre as nuvens, tímido, talvez única testemunha do que se tinha passado, rasgado pelas trevas daquele claro dia.

Via os helicópteros a chegar, vindos por detrás de nós, a pairar velozmente em direcção a lado nenhum, algures, esbatidos no horizonte, onde paravam em círculos, manobrando as gigantescas colunas de vapor de água e de fumo negro que serpenteavam os céus.

Conseguia ver alguns barcos de pescadores a partir da Trafaria, lá longe, pelo canto do olho, na minha esquerda, em direcção ao rio que engolira Lisboa, talvez na heróica missão de tentar salvar quem conseguissem, ou na eterna curiosidade mórbida dos portugueses de provocar mais acidentes observando roadkills na estrada - aposto que levavam cestos de piquenique naqueles barcos minúsculos.

Fiquei nisto largas horas feitas minutos, talvez segundos, estático. E foi quando senti a forte aragem quente que soprava no meu pescoço que caí de joelhos, a vomitar os pulmões que não conseguiam já respirar, pelos dentes que rangiam, e as veias que empurravam os olhos para fora das órbitas. Sentia todos os músculos do meu corpo a tremer, de dentro para fora.

E foi quando o Zé me disse "Olha, levanta-te caralho, olha!".

E as nuvens que pintavam o horizonte haviam diminuido, e diante de nós, apenas Tejo nos saudava, reflectindo faíscas de luz do sol nos olhos, numa pintura renascentista, virginal. A multidão por detrás de nós uivava, louca e desesperada.

Tentei semi-cerrar os olhos, sabem, quando se tenta ver até mais além, como se tivessemos super-poderes de heróis em pijama e capa, e conseguia destinguir uma sombra longe, que delíneava o horizonte, sem conseguir destinguir o que era. De facto, quanto mais tempo ali passássemos, menos iríamos perceber aquilo que se estava a passar.

- Preciso do teu carro Zé, preciso de ver o que está do outro lado.
- Está doido? - retorquiu, a esbracejar os braços - Onde é que pensas que vais chegar com esta confusão toda? - a apontar para o outro lado do rio - Pensas que és o único a pensar nisso? As estradas devem estar ou cortadas ou entupidas de carros!
- Até o mais longe que conseguir, só quero tentar perceber o que se passa, se estamos a ser atacados ou se foi outra merda qualquer.

Ele não sabia se me havia de levar a sério. Ficou ali pensativo, rodando nos calcanhares, alternando entre o outro lado do rio e comigo, que me levantava devagar, assoando os lábios às palmas das mãos. Fitou-me nos olhos.

- Leva-o. Mas promete-me que mo devolves inteiro.

E começámos a descer, tentando cortar aquela nuvem de pessoas.


*A continuar, mais tarde, após edição revista e aumentada.*


J

4 Comentários:

28 de abril de 2008 às 21:41 Anónimo escreveu:

Ei! Seja bem aparecida a continuação! Agora estou curiosa para saber o que está do outro lado... Não te atrevas a não dar continuidade a isto, meu. Levas com um courato fossilizado na testa.

até tropecei na capa com essa do courato fossilizado.........

a coisa do outro lado, bom, acho que é óbvio... mas vou guardar "a surpresa" para o próximo episódio...

prometo que não é nada com uma conotação sexual (e a audiência de 3 gatos pingados exclama *ÓÓÓÓÓÓ* em uníssono).

eheheh beijo,


J

29 de abril de 2008 às 21:20 Anónimo escreveu:

HAHA! Tóim! Em cheio na testa!

Olha, para mim não é óbvio: sou mesmo totó.

Três gatos pingados, não: pelo menos oito! Da minha parte, podes contar comigo e mais quatro personalidades múltiplas. Nem te digo quais são, senão, assustas-te (uma delas colecciona chicotes.)

Beijinho

ahahahahaha

o "óbvio" foi mesmo para picar mwhahahaha }:D

que pachorra que tens han :)

eheheheh abraço grande deste seboso gorduroso oleoso, paz!


J


PS: desculpa-me o atrevimento, mas é que... eu gosto de chicotes... podes-me apresentar a essa persona? :$ (posso arranjar um pijama de cabedal ou latex se for preciso) hehhehe

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